Conheça seis deliciosidades chilenas que justificam uma viagem
O Natal estava chegando sem décimo terceiro – viva a vida de freelancer –, mas eis que a Gol anuncia um voo de R$ 500 para a capital do Chile. Que remédio se não embarcar? Por alguns dias bebi uma quantidade de vinho da qual não me orgulho e comi como se não houvesse amanhã. De tudo isso, seis lugares me dan ganas de volver.
1º Motivo: Um lugar do Karai
Mitsuharu Tsumura e seu Maido são considerados número 1 da América Latina. E devem ser. Pra mim a dupla é mais que isso: foi onde em 2011 descobri a cozinha nikkei (nipo-peruana) e caí de amores. Por consequência agarrei admiração pelo chef: Micha é um gênio na construção de sabores e histórias – além de uisqueiro e cantor de karaokê nas horas vagas, ou seja, ótima companhia.
No finzinho de 2017, ele abriu o Karai (www.wsantiagohotel.com/Karai), no quarto andar do elegante Hotel W de Santiago. Não consigo pronunciar Karai sem um risinho besta, mas a quem interessar, a palavra significa picante em japonês e, em quíchua (língua indígena andina), comer junto. Como não se deve, mas pelo que falei, não fui cheia, fui lotada de expectativas – e não me frustrei nem um tiquinho.
Sentei no balcão mediante as recomendações de Gerson Cespedes, o jovem e talentoso chef que representa Micha a cada serviço por ali. Fui mimada com “o qué pasa loco!” (cone crocante com creme de avocado e tartar de loco, o molusco mais hype do país), tiradito de orilla (arenque fresquíssimo com molho de vieiras e ají amarillo), ceviche de frutos do mar, niguiris de centolla (king crab vindo de Punta Arenas, na Patagônia chilena), niguiri a lo pobre (de entraña com ponzu e ovinho de cordorna estalado) e de foie gras maçaricado (clássico do Maido) e, por fim, guioza de lomo saltado (um dumpling crocante preenchido pelo célebre asado de tira do Maido). Preciso dizer que não rolou sobremesa?

Niguiris de centolla

Ceviche de frutos do mar
*Sem bebidas, vale contar com pelo menos R$ 150
2º motivo: A vanguarda sensível do De Pátio
Benjamín Nast nem chegou aos 30, mas comandou por quatro anos o Dos Palillos (casa de Albert Raurich, discípulo de Ferrán Adrià, em Barcelona) antes de instalar, atrás de uma loja de vinhos, uma espécie de restaurante speakeasy, o De Pátio (www.depatiorestaurante.cl).

Benjamín Nast
Em torno de um balcão que cerca a cozinha, até 10 comensais elegem um menu sazonal de nove ou 12 tempos. Diante deles, cozinheiros, incluindo Benjamín, preparam e servem cada passo de maneira amigável, pronta para dar uma explicação, para contar uma curiosidade. Um diálogo recomendável, já que a obviedade passa longe das receitas.

Molusco, zucchini e avocado

Aspargos, iogurte, limão e mel
O caracol servido com shiitake deixa muito escargot no chinelo. Um molusco anônimo (mas que brilhou nas redes de um pescador) vem por entre fios al dente de abobrinha salpicados por uma neve de avocado. Ne-ve! A lula gigante forma fios que lembram udon, no formato e na textura, e dão vida a um rámen pra lá de original. O briochinho de maionese temperada, barriga de porco e kimchi poderia ser um sandubinha qualquer, mas é uma nuvenzinha explosiva.
No De Pátio, as provocações não são vazias, pois o extraordinário é deliciosamente palatável e, por vezes, doce, como na sobremesa que reúne aspargos, iogurte e folhinhas de suspiro de mel. Por essas e por outras, a casa não para de receber prêmios desde sua abertura, em julho passado. Eu mesma saí querendo premiar como melhor restaurante chileno que conheci.
*Sem bebidas, vale contar com R$ 150 para o menu de nove passos + água
3º motivo: O hotel butique Luciano K
Sofá de casa de amigo continua sendo solução pra muita viagem. Ainda assim, é delicinha ter um quarto desconhecido para chamar de seu. O do Luciano K (www.lucianokhotel.com) mexeu comigo. Aliás, o hotel todo. Seus seis andares já foram o primeiro arranha-céu chileno, em 1924. Era tão alto que inaugurou o uso do elevador no país!
Hoje, ele fica frente a um parque, no bairro boêmio de Lastarria. Curiosamente, a vista é apreciada do banheiro, ou melhor, da sala de banho. O quarto em si, fica numa penumbra aconchegante o dia todo. Perfeito para recarregar energias entre um passeio e outro.
Outras deliciosidades me conquistaram por lá: o farto e cuidadoso café da manhã, com iogurte, geleias, alfajores e tortas feitos ali mesmo, café italiano (espresso e filtrado) e ovos preparados na hora, ao gosto do hóspede. Nunca pensei, mas me apaixonei até pela barrinha de cereais caseira, com muita amêndoa, uva passa e coco. Pegava uma (ok, duas) e levava para beliscar ao longo do dia. Já no fim da tarde, ia ao rooftop para escrever, molhar os pés na piscina e tomar um drinque enquanto observava a paisagem. Last but not least: o staff é puro amor.

Desayuno dos sonhooooos!
*A diária sai cerca de R$ 400 se comprada com antecedência
4º motivo: Uns negronis no Siete Negronis
Sete pecados capitais, “O Sétimo Selo” (um filme de Bergman e um dos meus favoritos da vida), número da perfeição segundo Pitágoras e provavelmente o número de drinques que provei no Siete Negronis (Mallinkrodt 180, Bellavista. Tel.: +56 9 5408 8251, www.sietenegronis.cl). Lógico, só para honrar o nome do bar.
No Siete (sim, me tornei íntima!), cerca de 400 rótulos de destilados e licores estão à disposição dos bartenders para a criação de coquetéis provocantes, que não se resumem a combinações de Campari, gim e vermute tinto. Se bem que, todo mês, um mixologista de fama internacional assina uma versão inédita e a carta exibe ótimas receitas nessa linha, caso do aristotelia (Campari, vermute tinto, gim, geleia artesanal de framboesa e maqui, uma berry local), do smoky (com gim aromatizado com lapsang souchong, chá chinês defumado) e do baconvardier (Bourbon infusionado com bacon, Campari e vermute tinto).
Há também boas invencionices com rum, com pisco, com mezcal… Trocando em miúdos, vale tomar assento no longo e curvo balcão, pegar o menu e fazer uni-duni-tê sem medo de ser feliz. Cabe mais uma dica? Já deixe o itinerário de volta registrado no Uber e avise seu ou sua bartender.
*Se você não quiser deixar a dignidade, R$ 100 são suficientes!
5º Motivo: Concha y Toro
Primeira em exportações de vinho chileno (33,6% do total engarrafado), segunda companhia vitivinícola com maior superfície plantada (11.000 hectares) e mais conhecida no mundo, presença em mais de 140 países. O punhado superlativos e predicados é broxante, mas dei o braço a torcer. Não tinha muito tempo, nem muita grana e a Concha y Toro (www.conchaytoro.com) é acessível por metrô e ônibus num interim de uma hora e pouco. Valia arriscar. Valeu arriscar.
O tour é turístico, sim, ou seja, os tempos são cronometrados, as falas dos guias e sommeliers são decoradas, as degustações são meras degustações. Dito isso, o passeio é agradável: os jardins que rodeiam a mansão de verão que abrigou a família Concha y Toro até o fim do século 19 são lindos, têm lago, plantações didáticas de 26 tipos de uvas viníferas e quiosques para provas. A incursão pelas caves de guarda é interessante, mesmo em seu clichê, a de Casillero del Diablo. E, ao final, é possível harmonizar vinhos “super premium” Marques de Casa Concha com queijos.
Todavia, a possibilidade de ir direto ao wine bar é libertadora. Ali há rótulos de alta gama não disponíveis no Brasil, um serviço atencioso e boa comida, resultado de parceria com pequenos produtores da região e fabricações próprias que incluem mozzarella, uma ricota impressionante e pães bem honestos. Relaxei com goles de Subercaseaux Grande Cuvée e o ceviche de salmão, camarão e reineta (peixe branco de carne firme e saborosa) e fui muito feliz com Don Melchor (primeiro Cabernet Sauvignon ícone do Chile) e o cordeiro com abóbora e ricota assadas.
Só para dar a cara a tapa: ainda provei um incrível salmão nacional com nhoque de espinafre e um pastel de choclo (perdoem-me os peruanos) irrepreensível. Na volta, quase dormindo graças a derradeira taça de late harvest, vi os vinhedos de Don Melchor quase saindo do asfalto. Não era sonho, tampouco era para ser romântico, mas me peguei achando lindice naquela convivência.
*Somando transporte, tour e comidinhas gasta-se R$ 300, mas vale levar mais para comprar vinhos na loja
… e Matetic: o motivo para fugir
No caminho para Valparaíso ficam os vales vinícolas de Casablanca e San Antonio, famosos por suas sauvignon blancs, chardonnays e pinot noirs. Desde o fim dos anos 1990, fica também a Matetic (www.matetic.com), com suas vinhas orgânicas e biodinâmicas, com seu divino hotel.
O La Casona é como uma casa de fazenda em meio a um jardim babilônico. Tem apenas 10 quartos ultra confortáveis, desses que o número de fios dos lençóis e de plumas dos travesseiros é incontável, que a cama te abraça, que o tempo tem vergonha de se apressar. Um pouco adiante fica a piscina, onde sofás-camas te abduzem.
Logo depois, o lago e seus gansos, hortas, flores e dois restaurantes. Almocei no Equilibrio. A proposta é slow food, mas não notei lentidão alguma, apenas respeito a tudo o que foi servido. O carpaccio de atum e abacate, o conchiglione de siri, o cordeiro com creme de milho, a cheesecake com frutos vermelhos apanhados lá mesmo. Cada passo com um vinho da linha EQ, que “equilibra com perfeição as videiras, o solo e o clima das vinhas”, e ainda o Syrah Matetic, que, se pudesse, o cordeiro agradeceria de joelhos pela harmonização.
Durante a tarde, adormeci lendo, caminhei pelos arredores e conheci a sede da produção. Lá, a adega tem formato pensado de barril, afinal, a circularidade faz parte dos processos orgânicos, assim como de vários vinhos da gama EQ. A vista é arrebatadora e, para além das parreiras, se avistam pássaros, gatos e até alpacas. Como não poderia deixar de ser, uma degustação encerra o passeio e vale dizer que há propostas distintas: uvas brancas, harmonização com chocolate, preparo de seu próprio blend, degustação com pão e azeites e, fofurice demais, se houver crianças, elas também entram na brincadeira com sucos distintos de uvas e brincadeiras com aromas e sabores.
À noite cogitei fortemente em me atracar com o Corralillo Gewürztraminer até apagar, mas a curiosidade me levou ao empório para o jantar. Graças a Deus! Comi uma salada com folhas, ervas e flores que mal tinham deixado a terra, lâminas de salmão que não viveu em cativeiro e molho cítrico feito no olho, com azeite e vinagre feitos na vinícola. Podia ter parado ali, mas segui para um atum que podia ser comido de colher, acompanhado de um purê adocicado de cenouras bebês. Tão simples, tão bom. Não tinha como sair dali sem agradecer a cozinha. Eis que a cozinha toda era a Nicuole, com seus 20 aninhos, suas mãos astutas e sua loucura por comida.
Ficaria mais uma garrafa de conversa, mas ela não poderia beber e, ademais, tinha poucas horas até o café da manhã, que contaria com seus pães recém assados, bolos, biscoitos, iogurte… Não é uma lista de guloseimas. De iguarias? Talvez. Ou melhor: de receitas tentadoras, invariavelmente deliciosas e preparadas com paixão. Com toda a pieguice, a Matetic é tudo o que mais amo: comida, bebida e cama. Tudo nos trinques.
*A diária com pensão completa para um casal honra pelo menos R$ 1500