Um encontro com a chef argentina que brilha no MasterChef Brasil
Jeans sequinho, uma blusa e uma pashmina em tons escuros de azul, sandálias de couro, unhas rosadas, cabelos cacheados com esmero para fotos. Com ar sério, Paola Carosella senta-se numa mesinha do quintal, inclinada para a direção de uma jabuticabeira carregada. O cheiro do assado no forno acompanha uma fala baixa, pontuada por pausas dramáticas, sotaque portenho e olhares de soslaio. A chef parece disposta a travar um embate: “Eu não tenho mais história para contar do que a minha própria. E ela já foi contada tantas vezes que não quero cair de novo no drama da vida, da infância…”.
A secura funciona como um escudo, um escudo espesso. Quase esconde os perfumes de uma paixão: o do coelho salteado, com alho e ervas, o do peixe na grelha, o da berinjela recheada com pão e parmesão, o das massas como os raviólis, geralmente de carne ou ricota, em um molho intenso de frango com tomate. Todos esses aromas vieram da “Comida bem simples, mas muito gostosa, que simplesmente fazia parte do cotidiano” na casa das avós na zona norte da Grande Buenos Aires. Todos eles ilustram sua trajetória de cozinheira.
“Eu gostava de comer, mas nunca fui uma gourmet. Entrei no ofício do lado da mulher que cozinha em casa. Mas não era só a função, eram as cores, eram os movimentos”, acrescenta ela. Sim, era preciso cor e movimento para ocupar o tempo da menina que, no início da adolescência, ficava sozinha em um apartamento pouco iluminado na capital argentina enquanto a mãe trabalhava.
Esperar um bolo crescer, nhoques descansarem e o molho borbulhar eram maneiras de preencher o espaço com graça. E ainda são. E nem faz diferença se é uma noite de terça ou um almoço de domingo: “O dia a dia da cozinha para mim sempre foi gostoso. Os momentos mais pesados eram mais desafiantes do que pesados, sabe?”.
Turnos longos, caldeirões pesados, caixas de frutas e verduras. Paola carregou tudo. Calor e queimaduras nunca incomodaram. Vaidade e temperamento de grandes chefs, como Guy Martin e Francis Mallmann, tampouco. “A cada momento, a cada ano, cada partícula da minha vida a cozinha tocou de uma forma diferente. Ou foi a adrenalina de entrar numa cozinha profissional, ou foi o acolhimento da cozinheira da escola, ou foi o impacto de cozinhar pela primeira vez para receber a minha mãe quando ela voltava do trabalho, ou foi o sabor de molhar o pão no azeite de oliva ou o foi a lembrança de meu avô chegando com os caracóis que ele caçava e que a gente sugava fazendo barulho. É uma atração muito forte”.
As falas sobre caminhos, sobre mudanças, trazem a maturidade de uma mulher de 45 anos que conheceu dezenas de cozinhas até abrir o seu próprio restaurante, o Julia Cucina, há quase 15 anos, em São Paulo. “Quando comecei a trabalhar não se falava que a cozinha era um ambiente de homens. Se eu tive que ser mais dura, mais forte, fiz isso para mim. Quando comecei a gravar MasterChef percebi que eu era uma cozinheira muito boa, muito séria, reconhecida, mas que podia usar maquiagem e salto. Eu tinha, sem querer, me masculinizado, porque ser feminina parecia significar que você ocupava o seu tempo em fazer a unha, e não em pé no fogão”.
Definitivamente, cabelos arrumados e unhas impecáveis não são obstáculos ao seu batente: “Gosto de ficar entre as panelas. Não me sinto na obrigação de descer ao salão, me sinto na obrigação de cozinhar bem e não sei se alguém pode ser mais exigente do que eu. As pessoas que vão ao Arturito ou ao La Guapa têm que comer a minha comida. A Paola Carosella personagem está na TV. E só”.
A bem dizer, a Paola Carosella está em muito canto: está nos processos de alteração de menus, está na administração, está supervisionando o marketing e a comunicação de seus restaurantes. E, aos finais de semana, ou quase todo domingo, está em casa com a filha Francesca, 6 anos, e o marido Jason Lowe, fotógrafo britânico e diretor de filmes de gastronomia. Ali, inventa um macarrão gostoso, arruma o que está desarrumado, coloca a mesa, faz carne com verdura e arroz para o vira-lata Rex, enquanto a vitrola ressoa folk americano, música inglesa dos anos 70, tango ou música clássica.
Imersa em afazeres escolhidos, tem Jason por perto: ele deixa o computador para atender a campainha, para perguntar se ela quer água, se precisa que aumente ou abaixe o fogo, se pode adiantar alguma coisa. Paola agradece sempre, mas prefere ela mesma resolver cada coisa. “Eu ia fazer meu livro e uma editora perguntou o que eu queria. Eu disse: gostaria de trabalhar com esse fotógrafo e levei um dos livros que ele fotografou. Isso faz quatro anos e a gente está junto desde esse dia”.
Juntos saem, vez por outra, para jantar, “porque ele fica muito feliz”. São clientes de Jun Sakamoto e de vários Izakayas. Gostam de pizza e do Arturito e já foram habitués dos mais assíduos no Martín Fierro, da sua amiga e conterrânea Ana Maria Massochi. “Cansei de comer tanto bicho. Me sinto muito melhor comendo verduras, grãos e massas. Também seria ignorante da minha parte comer frango todo dia, comer carne todo dia, é insustentável”, confessa.
À parte o fator sustentabilidade, Paola se irrita ao ser taxada de a “chef das carnes”: “Nunca tive mais de um prato com carne no restaurante. Eu sou argentina, sempre servi uma carne de qualidade, aí um dia fiz carne no MasterChef, as pessoas juntam tudo e a minha especialidade são as carnes. Não sei se tenho uma especialidade, sou cozinheira”.