Enquanto faz um pit stop na cozinha, o chef fala sobre a carreira
“Me sinto um palhaço às vezes. E não são quatro vezes ao dia, é o tempo todo: grava um vídeo para a minha avó? Manda um beijo para a minha tia? Posta tal coisa? Me enche o saco”. Não, não há amargor na voz de Henrique Aranha Fogaça, por incrível que pareça. Mas há pressa no olhar. Ao mesmo tempo em que os olhos sorriem, eles parecem implorar: dá para ser rápida essa bagaça? E, com ele, sempre dá.
“Você quer um prato? Vou fazer um prato para você” dispara o jurado com pinta de bad boy do MasterChef Brasil ao entrar todo pimpão na cozinha de seu primogênito, o Sal Gastronomia, um adolescente de 13 anos. Cumprimenta cada um dos sete cozinheiros com bom-humor e começa a delegar funções com firmeza. Salteia o polvo que já estava previamente cozido e embalado a vácuo e se volta à bancada.
Num prato fundo, acomoda uma porção generosa de arroz e outros grãos, três vieiras em ponto perfeito, apesar de certa palidez, três tentáculos macios do tal polvo e uma espuma de verde tão intenso quanto o seu sabor de coentro: “Não ficou como eu queria, pensei em fazer uma meia lua com o arroz e não vou fazer essa espuma. Eu gosto de coentro para caralho, mas vou trocar por agrião. Acho que vai ficar melhor”.
Aos 44 anos, o paulista de Piracicaba divide o tempo entre incontáveis gravações, eventos e a paternidade no plural – os filhos Olívia, 10, João, 9, e Maria Letícia, 1; a labradora Granola; os restaurantes Sal Gastronomia (em Higienópolis e no Shopping Cidade Jardim) e Jamile; o bar de uísque Admiral’s Place e os gastropubs Cão Véio (por ora há um no bairro paulistano de Pinheiros e outro em Brasília, mas já há contrato assinado para a abertura em Curitiba, Belo Horizonte e São José dos Campos, assim como na zona leste); a banda de hardcore Oitão; mais de uma centena de tatoos e produtos variados (de pimenta a dólmã, passando por óculos de sol, cerveja, linha de street wear, motocicleta e suplemento energético).
Para o justificar o movimentado cotidiano, Fogaça costuma repetir: “Não sou só cozinheiro, sou motociclista, roqueiro, gosto de luta e de tatuagens, faço trabalho social e tenho uma coisa família”. A bem dizer, as lutas ficam muito em stand by. A banda idem. Já a ONG Chefs Especiais não tem do que reclamar – ele dá aulas com frequência, assim como faz doações a crianças com câncer. O voluntariado é para ele uma forma de lidar com os próprios fardos: “Uma das minhas tatuagens é o símbolo 1%. Representa meu moto clube que usa 1% com caridade e o 1% da população que faz coisas em prol de uma sociedade melhor”.
Quanto aos filhos e à cozinha, quem se queixa é o próprio chef: “Como estou separado, tenho ficado pouco com eles. Também não tenho ido para a cozinha, acabo comendo sushi, sou viciado. E eu gosto de cozinhar, de ver a inspiração das pessoas, de ouvir elogios, mas não tenho tempo. Minha cabeça está sempre cheia e acabo trabalhando com pratos que consolidaram o Sal. Mas pode ter certeza, a hora que estiver um pouquinho mais livre, vou cozinhar mais”.
Para quem não conhece, sua culinária é intuitiva, sem floreios: “Acabei de inventar esse prato com polvo e pensei numa costeleta de vitela empanada com purê de batata. Comidona de bistrô. Comida para comer e não para olhar”, dispara ele enquanto toma um bloody mary, seu drinque predileto. “O do Admiral’s (vizinho do andar de cima do Sal) é perfeito, porque a gente assa o tomate, faz o suco, tempera direitinho”.
Às duas novas ideias de prato, na melhor linha “comidona”, somam-se clássicos como o cupim na manteiga de garrafa, mandioca cozida e farofa de banana (que inclusive é servido no Jamile, a pedido do sócio Alberto Hiar, dono da grife Cavallera e mais conhecido como Turco Loco), o nhoque de mandioquinha com ragu de javali, o lombo de cordeiro purê de dois queijos, funghi e molho de jabuticaba e os tentáculos de polvo com batatas salteadas, brócolis no alho e tomate cereja. “Agora as pessoas vêm com uma puta expectativa, a de ser a melhor gastronomia do mundo. Minha comida é comum, gostosa, bem-feita e eventualmente tem umas cagadas. Normal”, confessa ele.
Além da franqueza, Fogaça busca manter os pés no chão: “Desde o começo da fama, meu amigo Fernando Badauí (vocalista da banda CPM 22 e seu sócio no Cão Véio) disse para eu não me deslumbrar. E tenho isso na cabeça, porque qualquer lugar em que vou tem gente que me conhece e sei que os programas de TV criam invejinha. Mas é uma fase boa, às vezes fico um pouco estafado, mas estou colhendo muitos frutos, muito business, muito reconhecimento”. Henrique dá um suspiro: “Tá bom pra você? Posso ir lá fazer outra reunião?”. E vai.