Chef Fábio Vieira conquista com arroz espanhol, linguiça caseira, lula, tucupi e jiló
Predicados como charmoso, hypado ou elegante passam longe da essência do Micaela. E isso não é um defeito – a sedução da casa é selvagem. No sobrado discreto de uma esquina nos Jardins, o que vale é a comida que deixa transparecer a mão pesada do cozinheiro, mão que puxa cabelo, que se faz intensa e belamente presente.
Fábio Vieira mima com tempo, acaricia com comidão. Ali se come pratos de muitas etapas, que dependem de longa dedicação. O último exemplo cristalino desse ritual foi a paellada (R$ 78), uma panela de pedra que chega fumegante à mesa e reflete o flerte recorrente do chef com a cozinha espanhola, ao mesmo tempo em que é descaradamente brasileira.

Paellada
Pareceu uma evolução de dois clássicos da casa: a canjiquinha mineira com camarão e linguiça (R$ 62) e o arroz pregado de cabrito (R$ 69). Do primeiro, o surf’n’turf, isso é a combinação de elementos de terra e mar; do segundo, grãos transbordantes de sabor que chegam a grudar no fundo de panela não só formando casquinha, como puxando novos aromas.

Canjiquinha mineira com camarão e linguiça
A base da paellada é o arroz espanhol do tipo bomba, que absorve muito líquido sem se romper. Nessa receita, ele incha com caldo de camarão, tucupi, azeite e a água que deixa os outros ingredientes (a escalivada de jiló, a linguiça de galinha e a lula), mas permanece firme e forte.
O embutido suave que dá as caras é feito na casa com coxa, sobrecoxa e peito de frango picados na faca, temperado com alho, cebola, salsão, pimentas de cheiro, alecrim, açúcar e sal. Envolvido em tripa de porco dessalgada, mantém um frescor e, sobretudo, traz profundidade ao prato.
O jiló queimado na boca do fogo revela notas tostadinhas, que se combinam a pimentões coloridos, tomate e ao agradável vinagre de Jerez. A acidez reminiscente combinada à do tucupi são parte importante do sucesso da criação, assim como as lulas grelhadas no susto, apenas com um toque de sal, pimenta do reino e limão, que se misturam levemente, no derradeiro minuto, a todo o resto.

Fettuccine com galo
Imagino repetir a paellada num dia de inverno. Aliás, preciso. O único obstáculo será vencer o desejo de pedir o fettuccine com galo, que deve voltar ao menu para a temporada de dias mais frios. A saber: a massa deve vir acompanhada de uma plástica no ambiente – aparentemente a maioria do público faz questão de esbanjar os adjetivos que me parecem supérfluos em um restaurante como o Micaela.
Micaela: R. José Maria Lisboa, 228, Jardins, tel.: (11) 3473-6849