Santi Roig é o argentino por trás das brasas do Underdog Meat & Beers
“Churrasqueiro tem que ter um tato muito bom”. Que moral para falar em tato tem o cara que decora o Underdog Meats & Beers com frases simpáticas como “Prefere malpassado ou mal- feito?”, “Venha com uma postura de bosta e será atendido como tal”, “Se você quer escolher o copo do seu drinque, aproveita e escolhe outro lugar” e a célebre “Aqui seu cão é bem- vindo!!! Crianças por favor amarrá-las ao poste”?
O cara é Santiago Roig e a última de suas gracinhas gerou polêmica e xingamentos nas redes sociais – era gente desejando a esterilidade do argentino de San Isidro, gente chamando-o de mal-amado e daí para baixo. Sua casa, em contrapartida, permaneceu abarrotada como sempre.

Santi em seu habitat natural. Cervejinha acompanha. Foto de Henrique Peron
Desde os oito anos de idade em São Paulo, Santi não sonhava com as brasas: “Igual ao gordinho que no time do colégio é colocado no gol, o argentino vai para o churrasco”. Ponto. Nunca passou disso. Um belo dia, porém, enquanto tocava uma marca de urbar wear, começou a falar com um cliente-amigo sobre um lugar que não fosse um bar gourmet, nem um boteco. O amigo era João Carlos, o Jão, guitarrista dos Ratos de Porão. Juntos transformaram uma antiga sapataria de menos de 20 metros quadrados no Underdog Meat & Beers, no número 541 da Rua João Moura, no bairro paulistano de Pinheiros. “Hambúrguer na chapa qualquer um faz. Eu faço churrasco. Vai esfumaçar todo mundo, vai demorar pra sair, eu não sei como a gente vai comprar carne e manter fresca, mas eu sou cabeça dura pra caramba e vou fazer”. Fez. Há três anos, com apenas quatro mesinhas, na clandestinidade, pagando o troquinho por fora do lixo e encarando na raça lenha e carvão sob grelha de ferro argentino (que retém mais calor), Santi inaugurava a churrascaria mais underground da cidade, quiçá do país. Ali, o blend do hambúrguer era até pouco tempo de costela e cupim de Black Angus. Hoje, mais incomum ainda, leva também arañita (a pélvis bovina): “Na Argentina a tradição é a vaca por inteiro. Tenho cortes que muita gente nem ouviu falar: entraña, matambre, bondiola, arañita… É um diferencial que ajudou a gente a crescer”. Daí os quarenta quilos ou duzentas unidades de hambúrgueres vendidos diariamente. Ainda assim, ele cansa de ouvir que o burger está cru: “Pergunto se está frio. Não? Então está no ponto. Bem passado? Não faço. Não é só uma questão de ego e de que a gente é filho da puta. A gente é um pouco, mas se abro exceção para uma pessoa, tenho que abrir para todo mundo e, aí, não sirvo ninguém. Sem contar que 99% das pessoas que não comem malpassado nunca provou. Tem nojo. Se você está indo a um lugar é para experimentar o que estão oferecendo. É uma forma de arte. Imagina você ir ao cinema e ficar dando pitaco no filme?”.

Mollejas como a mi me gusta. Foto de Henrique Peron.
Além da postura firme, outra distinção de Santi é o ancho. A carne criada solta em pasto uruguaio não é alimentada com rações engordativas, portanto, não tem tanto marmoreio, mas revela a essência do trabalho do parrillero: “Diferente de um restaurante, o churrasco não tem uma linha de produção, alguém para finalizar o prato, para cortar tal coisa. O churrasqueiro vai do começo ao fim sozinho: visita o gado, vê o fazendeiro, vai ao frigorífico, acerta os cortes. A culinária do churrasqueiro começa no campo”. Com os olhos invariavelmente irritados pela fumaça das brasas e as articulações doloridas de tanto mexer com a pá, ele vive uma aposta arriscada, dependente de intuição e preparo físico: “Churrasco é simplicidade, porque o boi já fez todo o difícil. O bom churrasqueiro só precisa ter resistência ao fogo e confiança, porque não dá para abrir a carne para ver se ela está boa. É aquele cara que consegue apenas com um sal temperado, com um chimichurri, trazer à boca o gosto do campo, a lembrança da avó, a gordura. Não precisa de farofa e nem de estrela Michelin”.

Minha gim toniquinha, porque ninguém é de ferro. Foto de Henrique Peron
A saber: em média o Underdog serve quatrocentos pratos por dia. Muito asado de tira, muita bochecha de porco, muito shoulder e muitas fatias de sashimi de wagyu. Além disso, vira e mexe, há um item especial, como a paleta de cordeiro da foto, que passou 48 horas mergulhada em vinho tinto, tomilho e alecrim num fogo bem baixinho. Euzinha não consigo evitar as molejas e os cogumelos, com vinho ou gim tônica raiz, servido em copo americano.